segunda-feira, 14 de março de 2011

Onde Deus “deveria” estar nas calamidades?

Sempre que ocorre alguma tragédia como esta no Japão, há uma enxurrada de “avaliações teológicas”, pró e contra Deus. “Onde está Deus, que nada fez?” “Ele não poderia ter evitado isso?” “Olha aí: se Deus existisse mesmo...”. E muitas outras.


Onde estava Deus quando o terremoto no Japão ocorreu? Onde ele estava quando os tsunamis, que sucederam tremores na Indonésia em 2004 e em 2010, aconteceram? Duas perguntas com inúmeros desdobramentos. Por exemplo, a Human Rights Watch, num relatório recente, condenou a “crise de segurança pública”. Para ONG, violações em presídios, tortura, trabalho forçado e ameaças a indígenas e sem-terra no campo que resultam em 50 mil homicídios por ano. Tal número é dezenas de vezes o número estimado de mortes no Japão. E por que os teólogos de plantão não ficam alarmados com esse número de mortos no Brasil.

Há outros países mais violentos que aqui; há outros tipos de mortes com números igualmente elevados: câncer, HIV, acidentes de trânsito, fome entre outros. 65 milhões de aborto são realizados por ano! Que diferença há entre morrer o traficante baleado e o japonês bem educado com seu iPod de última geração na mão? O choro do menino na favela do Heliópolis é desafinado em relação ao do oriental de Kobe?

E em ambos os casos, o que Deus tem a ver com isso? Na teologia dos filhinhos-de-papai sim, Deus deveria ter intervido. Afinal, “é gente do primeiro mundo”! Somente teólogos mimados fazem apologia da pobreza em tempos normais e polemizam com Deus em tempos de crise.

Não vejo que Deus tenha qualquer tipo de dever, obrigação ou algo assim em nada disso. Queixe-se cada um dos seus próprios pecados. Imagino, na minha pequenez, que Deus não faça distinção entre brancos e pardos, entre orientais e ocidentais, nem entre gente boa e gente má. Deus não tem prazer na morte do ímpio, diz “o texto”. E mesmo assim, por que deveria livrar alguém da morte? Faz diferença morrer com um ano de idade ou com 30, no auge da produtividade? Faz diferença morrer soterrado num instante ou após sofrer 5 anos em cima de uma cama? Que diferença há entre a frustração de perder seus bens numa tragédia e não poder comprá-los durante toda uma vida?

Da nossa ótica míope sim. Poderíamos, ainda, acusar: “É, eles são budistas, mereciam morrer” ou “são idólatras animistas na África aqueles que estão na miséria”. Besteira, temos tantos ou mais pecados do que eles e estamos vivos. Só acreditamos que somos perdoados por Deus pela fé.

E onde Deus deveria estar quando tudo isso ocorrer? No mesmo lugar onde sempre esteve, fazendo ou desfazendo as mesmas coisas que sempre fez. Por que não ouço um escritor elogiando Deus por livrar pessoas de morte quando gigantescos blocos de gelo pesando toneladas despencam das geleiras da Antártida? Por que não leio escritores elogiando a ação de Deus por não haver moradores em áreas onde há mudanças geográficas drásticas, como aberturas de crateras no solo, deslizamentos de terras em áreas desertas? Catástrofes há o tempo todo. E se todas elas acontecessem sobre nossas cabeças a culpa seria de Deus? Que tem ele a ver com isso? Ele poderia evitar? Nós também. O Japão está situado no encontro de quatro – isso mesmo, quatro! – placas tectônicas. São Francisco, Los Angeles, México e muitas outras cidades também. O Nordeste é região de seca, como a África, o norte da Europa sofre com nevascas, como o Canadá e a Rússia. E aí, que Deus tem a ver com isso? Onde Deus deveria estar quando tais intempéries ocorrem? Onde Deus deveria estar nas calamidades?

Um comentário:

  1. É, mas existe, bem perto de nós, um pastor-poeta-teólogo-pentecostal (?) que não pensa assim, não é?

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